setembro 01, 2004

DIÁRIO DE BORDO - CRUZEIRO ÀS CARAÍBAS DIA 04

Dia 04 - 01/04. Friendship bay / Admiralty bay (Bequia)

Quinta-feira, dia 1 de Abril. “Dia das Bruxas”

Estava fadado para ser o dia de todos os acontecimentos extraordinários, de todos os desaparecimentos e o dia da discórdia.
Este barco, feminino de certeza, tem resistido à nossa ocupação, ainda não nos aceitou plenamente. Logo na primeira noite a bordo dei uma cabeçada no acrílico que fecha o acesso ao cockpit. Fiquei a sangrar, e com um grande galo. Depois foi a vez do Paulo. Mas o dia de hoje foi particularmente rico em acontecimentos extraordinários, daqueles que nos faz vacilar na nossa postura céptica e duvidar da própria sombra.

Saímos de Friendship Bay pelas 9h e 30, depois de várias hesitações. Primeiro íamos a terra, depois já não íamos, no entretanto precisávamos de água e provisões para continuar a navegar. Quando a Sílvia se lembrou que tínhamos de ter um papel da alfândega a autorizar a nossa saída até Grenada resolvemos voltar um pouco atrás e ir até Admiralty Bay para comprar provisões e tratar da papelada necessária.

Levantámos ferro e saímos à vela contornando as ilhotas de Semplers Cay e Middle Cay com uma facilidade inversa à dificuldade que tiveramos no dia anterior com várias viragens de bordo. Passámos junto à pista do aeroporto, construída em aterro artificial junto ao mar e ao dobrar West Cay deparámos com várias casas bem disfarçadas na encosta, que, ao que consta, são de uma comunidade que gira à volta de um arquitecto passado da cabeça (muita erva de certeza) que as desenha com base numa filosofia meio ecológica, meio New Age. Assim reza a lenda. As casas são bastante feias e nada atractivas, até parece que estão em ruínas.
Dobrado o West Cay, subimos (para Norte) até Admiralty Bay numa bolina folgada elegante e entrámos a velejar na baía, éramos a elegância em pessoa. Apinhada de barcos, por segurança alugámos uma bóia de amarração que ficava bem perto da praia e de um ancoradouro de dinghies.
Já em terra separámo-nos em dois grupos. Eu, o Paulo e o Luís ficámos a preguiçar um pouco no hotel da praia, a beber uma piña colada (não tão boa como a de Porto Rico). O Luís aproveitou para enviar uns e‑mails num centro de Internet e de seguida fomos até ao centro trocar dinheiro. A Sílvia entretanto veio ao nosso encontro e guiou-nos até ao Banco onde trocámos US dollars por dollars EC (East Caribean). Sabia bem estar no Banco, bastante fresco em contraste com a temperatura exterior, mas aí começou a verdadeira confusão que deu origem ao nosso “Dia das Bruxas”.

Trocou-se dinheiro e todos fizemos o nosso contributo para a caixa de bordo, indo de seguida à procura de um local para almoçar. Não havia muitos, mas o BISTRÔ tinha bom aspecto e uma bela sombra. A Sílvia juntou-se de novo a nós os três e fomos bebendo as cervejas do costume enquanto não chegavam os pratos de peixe grelhado (dolphin fish). A empregada era uma rapariguinha simpática e sorridente e o peixe não estava mau, não se comparando com o nosso peixe de águas frias.

No final da refeição o Nuno e a Teresa juntaram-se e fomos todos fazer compras, parando primeiro na Alfândega. Novamente fresquinho e depois de preenchermos vários papéis o Luís informou o funcionário que só íamos para Grenada dali a alguns dias e como resultado disso não nos passaram o papel. Tínhamos de esperar, e só nos dariam autorização na véspera do dia de saída para Grenada. Como burocracia não faz parte dos planos de férias, dissemos OK com um sorriso e fomos às compras.

Desta vez ninguém se esqueceu de comprar garrafões de água. Transportámos tudo para o dinghy e com duas viagens estava tudo a bordo. Quando já estávamos todos no barco começou a confusão das contas. Havia um buraco de quatrocentos e muitos dollars e não se sabia onde eles estavam. Começaram a fazer-se contas, raciocínios, simulações, etc. e os dollars não apareceram. Ao fim de algum tempo, chegou-se à conclusão que tinha havido trocas de carteiras em alguns pagamentos e tudo se recompôs.
Entretanto, o Luís quis ir a terra buscar o computador que tinha ficado a carregar a bateria e no meio da confusão caiu ao mar a segurança do dinghy. Foram todos para dentro de água à procura mas como a visibilidade era quase nula, desistiram. O Paulo quando saiu da água começou a lamentar-se que tinha perdido o dinheiro que tinha no bolso quando mergulhara, o que não era verdade porque, viemos a descobrir depois, o tinha guardado no camarote antes de mergulhar. Para ajudar, o meu diário de bordo desaparecera, procurei-o em todos os sítios possíveis e nada. De repente, sem sabermos porquê, todos falávamos alto e toda a gente parecia zangada com qualquer coisa! Até o Rum que tínhamos comprado foi motivo de discussão. Com os nervos fui logo beber um copo dele para acalmar!

Jantámos a bordo e enquanto o Paulo, o Nuno e a Teresa se preparavam para ir a terra ouvir música e beber uns copos, adormeci no convés naquela bem-aventurança de cansaço e esquecimento.

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