setembro 08, 2004

DIÁRIO DE BORDO DO CRUZEIRO ÀS CARAÍBAS - DIA 13

Dia 13 - 10/04 Petit Saint Vicent / Bequia

Sábado, dia 10 de Abril.

Ainda com a boca a saber por vezes ao Rum Rivers que o Luís tinha comprado em Grenada, na destilaria de rum, e que sabe a gasolina sintética e cheira a álcool daquele que se usa para acender o braseiro, acordei um pouco mal disposto. Na véspera tínhamos tentado, em vão, fazer uns Cuba Livre’s que não soubessem a álcool isopropílico, ou coisa do género. Experimentámos tudo, montes de sumo de lima e açúcar, mas a única maneira de saber bem era sem aquele Rum.
No entanto assim que ataquei o pequeno-almoço de cereais e café fiquei operacional. Guardámos o Rum Rivers para o caso de nos faltar combustível para o motor do dinghy, pode é ser forte de mais...

De seguida lavámos e limpámos a louça do dia anterior e aproveitámos para arrumar o frigorífico e despejar a água do fundo. Tudo arrumado preparámos o barco para a viagem rumo a Bequia, o nosso objectivo do dia. A ideia era passar o dia de domingo em Bequia, ou entrando numa regata à volta da ilha ou fazendo mergulho com garrafas (apenas a Sílvia e o Paulo).
Como sempre, com todos os cenários em aberto, saímos em direcção a Union Island e passámos no canal, deixando Palm Island por estibordo. Fizemos um bordo no South Mayreau Channel e deixámos a ilha de Mayreau, tentando passar a barlavento da ilha Catholic. O canal entre a ilha e umas rochas visíveis era bem estreito, por precaução navegámos a sotavento da ilha abrindo o rumo para Bequia. Passámos ao largo da ilha de Canouan numa bolina folgada e com pouco vento. Desistimos de ir à ilha de Moustique, deixámos Isle a Quatre a barlavento e chegámos à ilha de Bequia em plena regata festiva.

Novamente procurámos uma bóia para amarrarmos a “lady”, e fundeámos mais ou menos no mesmo local da ida. O almoço foi arroz no forno com a base da bolonhesa da véspera por cima e queijo, que era suposto derreter, mas que não derretia. Enquanto o Nuno e a Teresa foram para a praia no dinghy nós ficámos a bordo e almoçámos nas calmas.

Ainda abastecemos o barco de água e livrámo-nos do lixo. Estes serviços são óptimos, chama-se pelo VHF e aparecem logo com fuel, water, waste, etc. Este chama-se Dafodil e é impecável. Ficámos o resto da tarde a preguiçar no barco, até ir buscar a Teresa, ao cair da noite, à praia.
Quase que não a encontrámos com o dinghy, estava noutra praia e já se via muito mal. Por pouco ficava lá.

E era hora de irmos para terra, havia festa com músicos convidados da Trinidad num baile local. A caminho da festa encontrámos por acaso o Jimmy que se prontificou a nos levar até lá. Acabámos por lhe pagar a entrada, que consistia nuns bilhetes que se compravam numa barraquinha, do lado de fora, e quando os entregávamos ao porteiro, ele punha-nos uma pulseira de papel plastificado com um número e presa com um autocolante fortíssimo. Àquela hora ainda estava pouca gente, por isso voltámos a sair e fomos dar uma visita guiada aos sítios e bares mais simpáticos.

Em cada um bebia-se uma cerveja para o caminho e a noite começou a animar. De volta à festa, que era num recinto de basquetebol ao ar livre, junto ao campo de críquete. Foi-nos explicado que para as mijas havia dois WCs, o “internacional” que consistia numa casota com retrete química e o “local” que eram as várias sebes que delimitavam o recinto do campo de críquete. Por sugestão do Jimmy, o Luís comprou uma garrafa de rum (é mais barato que a cerveja), garrafa que era suposta ser daquelas espalmadas de meio litro. Como não havia, comprou uma normal de litro.

Quando apareceu vinha com o bolso dos calções todo cheio com a garrafa, saindo o gargalo pelo lado. A técnica, como faziam os locais, era comprar Coca-Cola com gelo e misturar à socapa o rum. As Coca-Cola foram-se sucedendo e a festa foi animando. Veio a pausa com uma passagem de modelos de roupa e fatos de banho caribenhos. Os modelos eram locais e alguns eram lindíssimos, com toda aquela sensualidade e erotismo que lhes é natural. Refiro-me aos modelos femininos, porque os masculinos eram os troncos do costume.

Para o clímax final estava reservada a actuação dum músico famoso da Trinidad que dava pelo nome de Shadow. Já com uma certa idade e barba branca, mas com uma energia enorme, foi-nos pondo todos em estado de transe. Se estávamos uma dezena de brancos neste ritual já era muito, mas para o fim éramos todos um único corpo negro que dançava, cantava e respondia à música em uníssono.

Que contraste com o bar cheio de europeus e americanos junto ao clube naval, com a música rock nostálgica do costume. Também bebemos uma cerveja lá, mas saímos logo à procura de coisas mais autênticas e mais fortes.

No fim da festa, com toda aquela massa a dançar em uníssono, começou a cair uma chuva forte que pareceu uma bênção de frescura. Aos corpos suados e quentes sabia bem esta água que nos encharcava e nos cobria. Ninguém arredou pé e a celebração continuou cada vez mais profana. Diluímo-nos completamente naquela massa a vibrar.
De volta ao barco, eu e o Luís demos apenas três passas no resto da joint da tal festa da garagem e foi a martelada final. O Paulo já estava clinicamente ausente. Quando estávamos a preparar o dinghy para regressar, apareceram dois tripulantes dum catamaran e pediram-nos boleia. Como bons marinheiros achámos o barco deles e à segunda, a Sílvia tinha-se esquecido de ligar a luz de mooring, achámos o nosso.

Já no barco, depois de ter guardado religiosamente os meus sapatos de vela, secos, aquecemos alguma comida para aplacar a fome que começava a nascer. Nunca os restos souberam tão bem. No camarote tivemos de tirar o lençol e voltar os colchões ao contrário porque estava tudo molhado com a chuvada que tinha entrado pelo albói aberto. Tudo voltado, enfiei-me dentro do lençol e adormeci instantaneamente. Nem me lembrei que o albói continuava aberto. Nem me importei muito quando a chuva voltou de novo a cair e o Paulo teve de o fechar porque voltava a ficar tudo novamente molhado. Eu estava mesmo por baixo do albói e não dava por nada. Estava abençoado por Iemanjá!

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